SOBRE APAGAR TUDO: UM SURTO, UM GESTO, UMA DECISÃO
o impulso de sumir e a vontade de permanecer.
Tem dias que a gente cansa até de quem foi em silêncio. Eu tive um desses.
Apaguei tudo. Literalmente. Mais de 90 textos, poemas, fragmentos, pensamentos. Tudo o que escrevi nos últimos anos, meses, dias. Não salvei backup. Não mandei pra nuvem. Simplesmente deletei. Foi meio no impulso, mas também foi consciente. Eu sabia o que estava fazendo. Só não sabia exatamente por quê.
Talvez tenha sido medo. Medo de que alguém, um dia, lesse aquilo tudo. Que pegassem meu celular, abrissem o Notes, e encontrassem partes de mim que nem eu aguentava mais olhar. É estranho pensar nisso, mas é real: tinha coisa ali que não era pra ser lida. Nem mesmo por mim, depois de um tempo.
Foi como se eu tivesse me antecipado à minha própria ausência. Tipo: se um dia eu não estiver mais aqui, o que essas palavras diriam por mim? Será que eu queria mesmo ser lembrado pelos sentimentos que coloquei ali, daquele jeito? Eu acho que não. E foi por isso que eu apaguei. Porque a escrita tem peso, tem corpo. Ela fica. E eu não queria mais que ficasse.
Teve um momento, no meio disso tudo, em que pensei até em apagar o Substack. Fechar a newsletter, sumir de vez. Ser radical. Mas não fiz. E não vou fazer. Porque, apesar de tudo, ainda acho que tem algo aqui que vale ficar. Algo que ainda não quero abandonar por completo. Talvez porque essa escrita — a que chega até você — me mostre que nem todo silêncio precisa ser absoluto.
Tem também o fato de que escrever, pra mim, era meio terapêutico, mas também muito exaustivo. Cada texto era uma parte do caos interno que eu tentava organizar. Só que em algum momento, a escrita parou de ajudar. Começou a pesar. E talvez seja aí que começou a crise: uma crise de existência escrita. De “pra que escrever se eu não quero mais ler?”. De “pra que deixar guardado se eu não quero que ninguém encontre?”.
Não me arrependo. Claro, tem umas frases que às vezes voltam à cabeça. Uns versos meio soltos, umas imagens que ainda me perseguem. Mas o grosso foi embora. Sumiu. E talvez isso seja parte do processo. Talvez isso seja o processo.
Acho que a gente tem o direito de deletar nossas versões antigas. Não por vergonha, mas por cuidado. Nem tudo precisa ser eternizado. Nem todo texto precisa ser salvo. Às vezes, viver também é saber o que deixar ir.
Não sei se vou escrever de novo. Talvez sim. Mas por agora, viver em silêncio é o que faz mais sentido. E manter essa newsletter viva é só um lembrete de que nem tudo precisa ser apagado.
Se descontruir para se construir.